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A Guarda Compartilhada: Pais residindo em locais distantes.

  • drleandromartins7
  • 14 de set. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 29 de set. de 2021










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1- O Poder Familiar


O poder familiar, ou como cotidianamente vem sendo chamado, autoridade parental, é o instituto jurídico que mune aos pais do poder-dever de invadir a esfera jurídica dos filhos para atuar com a finalidade precípua de resguardar os melhores interesses destes.

Sabe-se que a legislação brasileira contempla uma série de direitos à criança e ao adolescente, seja em nível constitucional ou infraconstitucional. Logo, no exercício da autoridade parental os pais devem buscar a efetivação de tais direitos, com a prática de medidas concretas visando o desenvolvimento da criança e do adolescente em toda sua amplitude.

No que tange à titularidade da autoridade parental, é necessário salientar que, ao contrário do que muitos pensam, o referido instituto não está associado diretamente à qual dos guardiões detêm a guarda física, ou a guarda unilateral da criança ou adolescente. A autoridade parental vai muito além destes institutos, consistindo em uma série de deveres, ônus, direitos, faculdades, encontrados tanto na seara constitucional, dentre os quais, zelar pela vida, saúde, alimentação, educação, ao lazer (art. 227), bem como na seara infraconstitucional, podendo citar os diplomas o Código Civil de 2002, entre seus dispositivos o artigo 1.634, e também o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 22.

De modo sintetizado, podemos conceituar o poder familiar como o complexo de direitos e obrigações reconhecidos aos pais, em razão e nos limites da autoridade parental que exercem em face de seus filhos, enquanto menores e incapazes.

O Código Civil de 2002 traz em seu bojo o artigo 1.634, o qual possui um rol exemplificativo de verdadeiros poderes-deveres em que consiste o poder familiar. Vejamos:

“Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.”


2- O Instituto da Guarda


Já o instituto da guarda, conforme frisado, não se confunde, tecnicamente, com o conceito de poder familiar.

Ao genitor que detêm a guarda unilateral é atribuído o desempenho de todos os poderes inerentes ao poder familiar, vale dizer, exerce em plenitude o rol exemplificativo do artigo 1.634, do Código Civil, cabendo ao outro guardião a fiscalização do exercício de tais poderes, consoante § 5º, art. 1.583, do mesmo dispositivo legal.

Já no que tange à guarda compartilhada, o exercício do poder familiar é distribuído entre os cônjuges, em igual medida e intensidade, independente do genitor com o qual a criança resida (§ 1º, art. 1.583, CC/02).

Por ser mais benéfica visando o bem estar das crianças, a guarda compartilhada é a regra adotada por nosso Código Civil, sempre que ambos os cônjuges sejam aptos a exercer o poder familiar (art. 1.584, § 2º, CC/02).


3- Guarda Compartilhada por pais que residam em locais distantes e a jurisprudência sobre o tema


Ao nos atermos ao parágrafo terceiro do artigo 1.583, a princípio temos a impressão de que a legislação civil vê como possível o compartilhamento da guarda quanto a pais que residam em locais distintos. A saber:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

(...)

§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.

(...)

Ocorre que, não obstante a previsão legal supracitada, a doutrina e jurisprudência sobre o tema vêm divergindo de posicionamento com certa frequência.

Com efeito, no que concerne à jurisprudência, vemos casos em que se é deferida guarda compartilhada em situações em que os pais residam em países diferentes e negada em casos em que cada um mora em uma cidade.

Entre as decisões que entendem pela viabilidade da guarda compartilhada em circunstâncias em que pais residam em locais significativamente distintos, podemos citar o Recurso de Apelação nº 0006537-41.2013.8.07.0016 do TJDF, de Relatoria do Desembargador Alfeu Machado, que entendeu ser possível o exercício da guarda compartilhada mesmo residindo os pais em países diferentes: “a excepcionalidade da situação retratada nos autos, em que a genitora iniciou relacionamento com um cidadão dos Estados Unidos então residente no Brasil e posteriormente resolveu contrair núpcias e se mudar para outro país, em que o cônjuge prestará serviço diplomático, por si só, não pode resultar em óbice para o exercício da guarda, nem tem o condão de alterar a situação fática da menor, sobretudo porque verificado que está inserida em ambiente familiar saudável”. De acordo com a decisão ambos os pais estariam aptos a cuidar da prole e a manutenção da guarda compartilhada era necessária “em observância ao princípio do melhor interesse do menor”.

Em sentido diametralmente oposto, o mais recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do tema, isto é, acórdão proferido de forma unanime pela terceira turma do referido Tribunal Superior, entendeu pela inviabilidade do compartilhamento da guarda para pais que residem em cidades diferentes.

Insta salientar que o pai da criança pugnou nas razões de seu Recurso Especial pelo deferimento da guarda compartilhada, de modo a dar-se vigência à nova Lei da Guarda Compartilhada, arguindo que o fato de os genitores residirem em estados diferentes não inviabilizaria o exercício da guarda compartilhada por ambos, mas tão apenas dificultaria o exercício em conjunto da guarda física das crianças.

Entretanto, para o colegiado do Turma, a dificuldade geográfica impede a realização do princípio do melhor interesse dos menores às filhas do casal.

Assim, o ministro Cueva negou o pedido de guarda compartilhada, e, embora reconhecesse que referido instituto é a regra a ser adotada quando ambos os cônjuges têm condições de exercer o poder familiar, frisou que as peculiaridades do caso concreto demonstravam a existência de impedimento insuperável.

“A modificação da rotina das crianças, ou até mesmo a possível alternância de residência, impactaria drasticamente a vida das menores. Por exemplo, não é factível vislumbrar que as crianças, porventura, estudassem alternativamente em colégios distintos a cada semana ou que frequentassem cursos a cada 15 dias quando estivessem com o pai ou com a mãe. Tal impasse é insuperável na via judicial”, justificou.

A referida decisão do Superior Tribunal de Justiça ao invés de pacificar o tema, o acalorou ainda mais, inclusive recebendo muitas críticas por parte de especialistas no assunto.

A presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), doutora Regina Beatriz Tavares da Silva, criticou enfaticamente a decisão do STJ:

"Lembremos que, no mundo moderno, com as tecnologias avançando a cada instante, inúmeras são as formas de participação virtual dos pais na vida e nas decisões sobre a vida dos filhos. De acordo com recente pesquisa divulgada pelo IBGE, entre 1984 e 2014, a guarda compartilhada cresceu de 3,5% para 7,5% nos casos de divórcio, havendo ainda, em 2014, predominância da mulher na responsabilidade pela guarda dos filhos menores de idade em 85,1% dos casos. Ou seja, o crescimento ainda está aquém do desejável. A batalha pela conscientização da população acerca dos benefícios que a guarda compartilhada representa para os filhos é árdua. Criar novos obstáculos, na contramão do que dispõe nosso ordenamento jurídico, à implementação dessa modalidade de guarda, que é a que, havendo aptidão da mãe e do pai, melhor protege os interesses das crianças e dos adolescentes, não é o melhor caminho."

Nos parece que a crítica tecida acima é bastante pertinente, e acrescentamos a ela outro ponto que merece destaque, vale dizer, o deferimento da guarda compartilhada como forma de elidir a alienação parental por um dos genitores, mormente àquele que detêm a guarda unilateral das crianças, posto que com a guarda compartilhada temos a coparticipação dos pais na vida dos filhos em exata medida e intensidade, razão pela qual tende a mitigar uma possibilidade de pratica de atos de alienação parental.


4- Conclusão


O referido precedente do Superior Tribunal de Justiça embora seja importante para as correntes que entendam pela inviabilidade da guarda compartilhada para pais que residam em locais longínquos, não afasta o fato de que a distância entre os genitores deverá ser analisada casuisticamente, de modo a ser conjugada com outros fatores relevantes sobre a questão, especialmente a respeito da viabilidade efetiva do genitor que não resida com a criança participar da vida desta.

Vale destacar ainda que as ações de família não resultam propriamente em trânsito em julgado, de modo que nada obsta que uma vez a guarda compartilhada definida para pais que residam em distancias longínquas seja revista uma vez apurada sua inviabilidade prática.


5- Referências bibliográficas


(1) SILVA. Regina Beatriz Tavares. Guarda compartilhada pode ser exercida à distância. Acessado em 08/01/2019 em https://política.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/guarda-compartilhada-pode-ser-exercidaadistancia/

(2) Jurisdição. Superior Tribunal de Justiça. Processo: RECURSO ESPECIAL Nº 1.605.477 - RS (2016/0061190-9). Relator: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA; Órgão Julgador: 3ª Turma, Data da Publicação:27.06.2016.



 
 
 

1 comentário


Luísa de Sousa
Luísa de Sousa
19 de out. de 2021

Uau, este artigo é bem completo! Parabéns pelo texto.

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